A Promessa da Geração - Aventura de Satsuki

Para Satsuki, aquele dia seria sempre marcado pelos primeiros passos de uma longa jornada que teria pela frente. O sucesso dessa empreitada, no entanto, dependeria apenas dela e de sua capacidade de superar as diversas adversidades que surgiriam em seu caminho. Ainda que assim fosse. Shells Town não era uma cidade relativamente grande, logo, apenas a expectativa fez com que a caminhada parecesse longa, mas pouco tempo se perdeu até que ela chegasse à base da marinha.

Nada devendo, as portas estiveram abertas a ela, e, uma vez dentro, podia sentir os olhares sobre si. Vários marinheiros, desenvolvendo suas respectivas tarefas ou executando treinamentos, e cada qual com sua espécie de pensamentos e preconceitos. De imediato, ela pode perceber que não importava a fama que possuía sua família. Ao menos não entre os soldados de patente baixa.

Ainda assim, ela não era uma completa desconhecida. Um homem deslocou-se em sua direção, calmamente, com seus olhos negros fixos na menina. Era uma pessoa de alta estatura, cabelo curto e grisalho. Sua expressão havia sido castigada pelos longos anos em que serviu a marinha, mas não denotava nenhum sinal de que algum dia havia sido bonito. Seus braços traziam algumas cicatrizes, era um veterano de guerra. Em seus ombros, pendia pesadamente o sobretudo da marinha, que orgulhosamente indicava a sua posição como um capitão.

-Ah, sim, a menina Kiryuin. Conheci alguns de seus parentes ao longo de minha vida devota à essa instituição. Sabia que viria, e estive lhe esperando. Capitão Willian Blackthorn, a seu dispor. Venha comigo, por favor.

Willian indicou um caminho e virou-se, seguindo por ele. Antes mesmo de dar uma chance à menina de falar. Ele já sabia que ela era, e embora tivesse usado o tom mais respeitoso possível, naquele momento, não importava mais nada.

-Temos uma reunião de recrutas em uma sala, serão enviados em uma missão. Já que chegou a tempo, vai junto. Pequeno grupo de bandidos. Um teste antes de lançá-los ao mar. É uma breve caminhada até lá, mas acho que tenho tempo de ouvir de ti a resposta que insisto em repetir para todos que entram na instituição.

Como tomava a frente, o capitão Blackthorn sequer olhava para Satsuki enquanto lhe falava. Ali, não importava quem havia sido sua família, a hierarquia deveria ser respeitada. E, no momento, quem tinha de olhar para cima ou para frente para ver as pessoas era ela, que estava na base da hierarquia junta dos demais recrutas.

-Quando nosso símbolo aparece diante de ti, o que é que vê? Quando ouve as pessoas falando de nós, o que é que pensa? O que é a marinha pra você?

-A marinha nem sempre estará lá por todos. Você vai ver, cedo ou tarde, que temos problemas para que nossa justiça alcance a todas as pessoas. Mas o que importa é que vejam a marinha como um sinônimo de justiça e que os criminosos nos temam. O que quer que veja dentro ou fora da corporação não pode tirar seu foco e você deve sempre se manter incorruptível e concentrada em seu caminho, sem permitir desvios. Se não somos perfeitos, ao menos podemos estender nossa influência sobre a maior parte das pessoas e mergulhá-las no mais próximo de uma "paz" que pudermos. E é isso que devemos representar, é por isso que devemos lutar.

De alguma forma, não havia nenhum tom de admiração ou de surpresa do homem quanto a resposta apresentada pela jovem recruta. Era como se esperasse isso, particularmente dela, devido a sua criação e educação, que a distinguia de muitos outros por ali. Como prova disso, Willian sequer virou-se para fitar e analisar Satsuki antes, durante, ou depois da resposta. E sua voz soava tão forte e imponente quanto antes. O capitão silenciou-se novamente, deixando que os gritos de marinheiros que ecoavam ao redor do QG voltassem a ser o som predominante, e dando a entender que não havia mais nada a dizer. Após uma breve caminhada no pátio, finalmente adentraram uma construção, e alguns passos depois, uma sala em específico.

No interior dessa sala encontrava-se o grupo que iria com ela para dar fim aos bandidos. Logicamente, não era um grupo composto apenas por recrutas, mas haviam ali três novatos e dois marinheiros de patente baixa, que fariam o acompanhamento e avaliação dos recrutas. Talvez eles é que determinassem se ela seria aceita, ou não, na marinha. Após fazer um sinal para os "supervisores", capitão Blackthorn virou-se e deixou a sala, sem nada dizer. E, logo que a porta bateu atrás de si, a atenção de Satsuki teve de se voltar a um dos marinheiros que chamou a atenção de todos para explicar a situação.

-Com isso, o grupo está pronto. Lembrem-se, nosso objetivo é efetuar a prisão de um bando de ladrões que tem agido nos subúrbios da cidade. Eles são perigosos e imprevisíveis. Devem ser usados todos os meios necessários para que a "operação" seja um sucesso. No total, eles devem estar em quatro. Estamos em número superior e devemos sobrepujá-los sem muita dificuldade. Estarei esperando no portão da base. Vou dar alguns minutos pro caso de pensarem em desistir ou de se conhecerem, caso seja a vontade de vocês. Venham quando estiverem prontos.

Dito isto, referido marinheiro deixou a sala, seguido pelo outro soldado raso que iria acompanhar a missão, deixando a menina sozinha com os outros três recrutas. Nenhum deles tinha uma fisionomia impressionante ou uma característica marcante, e pareciam bastante ansiosos com a primeira chance na marinha. Não era o tipo de gente acostumada com aquela vida ou que tinha grandes perspectivas para o futuro. Nenhum deles parecia disposto a conversar entre si, mas estavam usando o tempo que receberam para se estabilizarem psicologicamente.

A princípio, o discurso parecia estar dando certo, mas, aparentemente, nenhum deles assimilou muito bem a parte onde corriam risco de morte. O nervosismo voltou a ficar nítido em suas expressões. Pra eles, os minutos se passavam rapidamente enquanto tentavam se decidir se realmente queriam aquilo. Nenhum deles se manifestou, no entanto, quando um dos soldados voltou para buscá-los e escoltá-los até o portão para que partissem.

-Vejo que não desistiram. Muito bem. Vejam, colhemos informações de que esses bandidos estão se abrigando em um galpão abandonado, relativamente afastado da cidade. De certa forma, é bom, porquê não corremos riscos de enfrentar civis. Vejo que trouxeram suas próprias armas, então não teremos problemas com armamento. Lembrem-se, vamos rápido, agimos rápido, voltamos rápido. E a vida na marinha os aguarda.

O marinheiro se virou e fez um sinal para que o seguissem. O outro marinheiro foi atrás do grupo, cobrindo a retaguarda. Cada um deles levava em suas costas uma carabina, e em suas cinturas, espadas. Mas não pareciam ser especialistas no uso de nenhum dos dois. Os recrutas apresentavam alguma variedade, no entanto. Satsuki levava sua katana, ao passo que um outro levava algo que parecia uma pistola, o terceiro possuía um alfange sem bainha, que apresentava várias manchas de ferrugem e, o último trazia consigo um par de manoplas, vestindo seus punhos.

Não demorou para que saíssem da cidade, mas não havia, na ilha toda, muita área fora da cidade. Então, o galpão também não demorou muito para aparecer diante dos marinheiros. Era uma área abandonada, e afastada, com diversas árvores que dificultavam até mesmo a visão do que havia adiante. O galpão, no entanto, podia ser facilmente visto, ainda que não em todos os seus detalhes. Ainda que as árvores trouxessem como ônus a baixa visibilidade, foram elas que possibilitaram uma aproximação discreta e imperceptível.

-Esperem aqui que eu vou dar uma volta ao redor do galpão para verificar a condição externa da construção. Depois disso, podemos elaborar um posicionamento bom. Não façam nada até eu voltar, apenas observem e não sejam vistos.

Muito embora haviam dois marinheiros acompanhando os recrutas, aquele era nitidamente o líder da operação. Era sempre ele que comandava o grupo e fazia a frente. No exato momento em que o mesmo deixou o grupo, no entanto, saíram do galpão sete pessoas, três a mais do que as quatro pessoas previstas inicialmente. Apenas este fato já representavam problemas para o grupo.

O grupo de bandidos, ainda alheio à presença dos marinheiros, caminhava exatamente na direção deles, discutindo alguma coisa. A palavra "piratas" era o termo mais frequente no diálogo. Antes mesmo de se organizarem para uma emboscada, no entanto, o menino que trazia consigo uma pistola disparou, contra um dos bandidos, e errou o disparo, denunciando a presença e posição da marinha. De imediato, os bandidos sacaram de suas armas, sendo que apenas dois deles possuíam armas de fogo e o restante espadas e partiram contra o grupo de marinheiros.

O recruta que possuía o alfange correu, e o que tinha a pistola parecia paralisado de medo na exata posição em que estava. Apenas o que possuía manoplas buscou se esconder atrás de uma árvore para evitar ser atingido por disparos e tentar se posicionar melhor. O outro marinheiro que ali ficou fez o mesmo, e trocava tiro com os bandidos, ao passo que aqueles que possuiam espadas aproximavam-se, de árvore em árvore. O chefe da operação ainda não havia voltado.

Não se podia dizer que a jornada de Satsuki como uma marinheira havia começado da melhor forma possível. Ainda assim, poucos segundos separavam o jovem atordoado da morte certa, quando, antes disso fora forçado a sair da sua posição de choque. Aparentemente, o golpe fez com que ele acordasse, e, de imediato, buscou proteção atrás de uma árvore assim que se levantou, já que estava próximo de uma.

Com a arma de fogo em mãos, a jovem poderia optar por esperar até que a distância entre ela seus oponentes fosse mínima para que tivesse grandes chances de acerto, e mesmo assim, três homens chegavam praticamente juntos, ela não teria tempo de atirar em todos eles. Atirou no primeiro, que, ao ver a arma apontada para si, jogou-se para o lado em uma pífia tentativa de esquiva. O projétil penetrou em seu ombro e o mesmo caiu para trás, reclamando de dor.

Os outros dois, porém, não facilitaram para Satsuki, e antes que ela pudesse preparar um novo disparo, caiam sobre ela, ao mesmo tempo, brandindo suas espadas impiedosamente, mas com movimentos desajeitados. O primeiro optou por um golpe horizontal da esquerda para a direita na altura do abdomem, enquanto o segundo adotou um movimento contrário ao de seu colega, todavia, este se curvou mais para que seu golpe fosse na altura do estômago. A jovem marinheira já tinha a sua espada em mãos, mas nenhum deles decidiu recuar diante disso.

O outro marinheiro trocava tiros com ambos os bandidos atiradores, ocupando-os momentaneamente, ainda que não os tivesse atingido. O recruta que estivera em choque ainda estava atrás da árvore, desarmado e esperando algum milagre para salvá-lo. Aquele que usava a manopla parecia ter entrado em um duelo com um bandido do outro lado. E ainda não havia sinal do líder do grupo.

Era nítida a diferença técnica entre Satsuki e os bandidos, tendo a mesma evitado o golpe de seus adversários com incrível facilidade. Não obstante, a ofensiva desajeitada dos bandidos dificultou a transição a uma posição defensiva, o que possibilitou um contra ataque, bem executado pela marinheira. Um dos bandidos, porém, em mais um movimento desajeitado e contando com alguma sorte, conseguiu se afastar o suficiente para que o golpe não fosse fatal, mas o outro não deve a mesma sorte, e caiu ao, agonizando com o ferimento letal que recebera.

Meio surpreso e com um ferimento mais leve, o outro criminoso recuou alguns passos, como se agora estivesse reconhecendo a força de sua oponente. A intensa troca de tiros entre o marinheiro e os bandidos parecia chegar a um péssimo fim, ao passo que o defensor da justiça foi atingido, e antes de se recuperar do primeiro disparo, um segundo já o atingia, pondo fim em sua vida. Eis que outro disparo foi ouvido e um dos bandidos caiu, formando uma pequena poça de sangue.

O líder do grupo de marinheiros havia retornado e entrou na pequena guerra travada entre as árvores. Estava mal posicionado, mas pelo menos, havia retornado, e, provavelmente, travaria duelo com o atirador que havia restado. Os outros dois meliantes, que estavam feridos, recuaram alguns passos, tentando entender a diferença de força que havia entre eles e Satsuki, aumentando a distância para algo entre 7 e 10 metros. Psicologicamente, porém, já estavam vencidos.

Os outros dois estavam fora do campo de visão da jovem marinheira. Um deles, provavelmente, ainda duelava com o recruta que trajava manoplas a poucos metros de distância. A localização do outro, todavia, era uma incógnita.

A jovem marinheira fez exatamente aquilo que se espera de um líder da marinha. Seu futuro brilhante ficou nítido naquele momento. Os dois bandidos que estavam em sua frente pareciam considerar fortemente uma rendição, ao passo que o som da  troca de tiros que ocorria mais ao fundo também havia parado. Mais à esquerda, o recruta da manopla sobrepujou o bandido, acertando-lhe um forte golpe no rosto, também reflexo das palavras de Satsuki, que enchiam-no de moral ao mesmo tempo em que fazia o criminosos ver-se como um perdedor naquele embate.

A situação encaminhava-se para um fim digno, com a rendição e prisão em detrimento de mais sangue derramado. Ou ao menos, era o que parecia. Nesse momento de tensão, um grito pode ser ouvido, e o bandido que restava apareceu diante do recruta que usava a pistola, o mesmo que passou o tempo todo escondido atrás de uma árvore. A espada do carrasco estava prestes a alcançar o pescoço do aspirante a marinheiro, e mais uma cabeça seria decepada ali. Talvez aquilo empatasse o placar e recomeçasse a batalha, mas, por algum motivo o homem parou a lâmina, a poucos centímetros de seu alvo.

Uma aura poderosa espalhou-se pelo local, todos os integrantes do bando de foras da lei imediatamente deixaram suas armas caírem de suas mãos, e o recruta que esteve perto da morte caiu de joelhos no chão. Capitão Willian Blackthorn aproximou-se calmamente. Sua presença já havia vencido a batalha. Olhou para seu colega que havia morrido ali, e um silencioso lamento percorreu sua expressão. Sem nada dizer, aproximou-se ainda mais, para anunciar o fim do embate.

-Senhores, efetuem a prisão destes criminosos. Irão responder, nos termos da lei, pelo que quer que tenham feito. Você, pegue o corpo deste nosso corajoso colega que caiu em combate. Ele merece um lugar melhor pra descansar.

O jovem, que ainda estava caído de joelhos, forçou-se a levantar e pegar o corpo do marinheiro morto. Desajeitado, quase derrubou-o pelo outro lado, mas com alguma dificuldade, conseguiu mantê-lo no ombro. O recruta da manopla deteve aquele mesmo que ele havia vencido, enquanto o marinheiro atirador já estava ao lado do homem com quem duelara. Blackthorn cuidou do homem que estava próximo de si, deixando os dois feridos sob a tutela de Satsuki.

-Kiryuin, conversaremos depois, em minha sala, quando tiverem terminado.

Aos recrutas não havia sido dado algemas ao começo da missão, uma espécie de erro de planejamento. Assim sendo, o próprio capitão tratou de distribuí-las entre os membros de seu grupo para que não houvesse risco de fuga, e liderou uma silenciosa caminhada de volta até a base da marinha. A vitória certamente havia ficado manchada pelo sangue do corajoso homem que havia morrido pela justiça que acreditava.